04 abril 2009

Serial Mil Milhões

O assassino acordou sem saber onde estava. O ar era espesso, quase palpável, no entanto, completamente sem substância, cor, ou cheiro.
Olhou em redor, vendo apenas o que sempre via quando fechava os olhos.
Perdido, tacteava por paredes imaginárias e móveis fantasma, que nunca haviam estado lá.

A realidade era dura. Rija como apenas o chão, que, ali, era a única âncora para o barco da existência atribulada do seu corpo mutilado por anos de loucura indecifrável.

Sentou-se, tocando as lajes.
Os pequenos rectângulos térreos eram de uma matéria lisa e suave como os sonhos, mas fria e austera como o pesadelo do ser.

Abanando-se, sorveu um trago do autismo que move os moinhos da humanidade desde o tempo em que o primeiro homem esmagou o crânio do seu irmão.
Sorrindo, provou o sabor férreo de mil milhões de glóbulos, plaquetas e anti-corpos, que nadavam livremente na sua boca, certamente filhos da meia dezena de perfurações auto-infligidas a Black & Decker, no seu palato e língua.

Revigorado, cuspiu. Cuspiu não...a palavra certa é escarrou. Escarrou com quantos erres tinha, para que homens, deuses, ou simples arremedos o vissem como aquilo que era: ele próprio.

Sorrindo, tornou-se uno com as sombras, e correu. Correu por mil milhões de campos negros, povoados por mil milhões de sombras vivas, numa noite que durou mil milhões de horas.

©ND,2009

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