Lentes

O mundo mudou no dia em que trocou de lentes de contacto.
Antigamente a auréola de transparência havia-lhe feito perder a crença nas pessoas e no seu deus.
Inesperadamente, o tom azulado com que observava o que a rodeava trouxera-lhe uma calma que nunca imaginara.
Era com paz de alma que admirava agora os diferentes tons com que o sangue das suas vítimas jorrava aos borbotões. Tripas em degradês marinhos misturavam-se com tendões da cor do céu num concerto azul regido sob a batuta do seu bisturi afiado.
Afinal sempre tinha sido feliz, apenas precisara de o ver sob outra cor.

©ND 2007