20 setembro 2006

Metro



A hora de ponta já tinha passado e isso era bem evidente na descontracção da mulher que lia calmamente um livro de apontamentos.
”Mulher” seria neste caso apenas uma aproximação optimista, uma vez que o seu cabelo ralo e branco, a sua expressão austera e queixo proeminente faziam-na por vezes mudar de sexo, consoante o ângulo em que se a observasse.
Pelas calças curtas pela canela e blusa fina especular-se-ia que trabalhava numa repartição pública sem ar condicionado, optando por tentar manter-se ingenuamente fresca mesmo quando toda a gente sabe que é impossível fugir ao calor de uma vida de trabalho sem sentido.
Pelo avançado da hora teria tirado uma folga. Talvez até aproveitado para tratar dos assuntos do filho pelo qual tinha sacrificado uma existência ao lado de um homem que a tratava como um animal de estimação: uns dias com festas e outros a pontapé.
Agora, ali no metro, já sem marido e sem o respeito do filho por todas as concessões e sacrifícios, suspirava surpreendentemente de alívio a ler o seu caderno talvez de poesias, talvez de sonhos, ou até talvez de especulações sobre se seria possível recomeçar uma vida aos 55 anos de idade.

3 comentários:

Anónimo disse...

Também não tens carta de condução?

ND disse...

Ter até tenho, sou é tão mau condutor que consigo enfiar o carro no túnel do metro.
Pode não ser divertido para quem passa, mas pelo menos permite-me tirar estes apontamentos das pessoas que por lá vejo...

Anónimo disse...

viste a minha tia ao que parece.