31 outubro 2006

Conto de Dia das Bruxas

Uma overdose sensorial despertou-o para o holocausto zombie que prometia ser o resto da sua vida.
O cheiro a morte assolou-o como um gongo daqueles filmes chineses de kung fu de qualidade duvidosa. Num acesso de lucidez percebeu que o cheiro emanava de si mesmo e que o homem com a cara em carne viva à sua frente lhe sorria como quem lhe dava as boas vindas à família.
Fechou os olhos quando um exército de crianças com os olhos cheios de crostas e podridão lhe pediram de comer, mas por mais que o tentasse evitar sabia que aquela era a sua realidade de agora em diante.
Espreitou para um espelho não tivesse por ele caído, qual Alice entediada. O que viu era no entanto irreversível: ele era um deles, morto há muito, mas só agora capaz de o aceitar.
Tentou chorar, mas tudo o que conseguiu produzir foi um ruído engraçado da sua traqueia dilacerada e expulsar um pequeno verme que se alojara no seu duto lacrimal.
Vendo aquela lágrima branca e nojenta arrastar-se lentamente pela sua face abaixo, encolheu os ombros e juntou-se aos outros, afinal – com um pouco de hábito – descobriu que o sabor a carne humana até se poderia tornar bastante agradável.

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