12 dezembro 2011
07 dezembro 2011
O ás
Sentiu a patanisca de bacalhau a queimar-lhe a língua enquanto cobiçava a mulher do próximo.
Assustado, ponderou a possibilidade da existência de Deuses e Diabos, mas o decote acentuado e a basculância das glândulas que semi-revelava, trouxeram-no de volta a terrenos bem mais fundados.
Ganhando coragem, entre dois copos de carrascão e o fado arranhado por uma garganta esganiçada, arrastou um "E se nós..." para a dita cuja encantada.
Para azar dos azares, este foi o preciso momento em que a música se findou nos dedos dos velhos tocadores, sequiosos também eles pelo dito carrascão, e foi aí que começou a confusão...
Entre zás e catrapás, muitas foram as lambadas colhidas pelo nosso ás.
Do marido à fadista, passando pelo ferreiro e pela modista, todos lhe foram às trombas, todos o chutaram por trás.
Hoje anda mais calmo e com modos decentes, nem que seja pelo facto de ter de mastigar a patanisca sem o auxílio de dentes.
Assustado, ponderou a possibilidade da existência de Deuses e Diabos, mas o decote acentuado e a basculância das glândulas que semi-revelava, trouxeram-no de volta a terrenos bem mais fundados.
Ganhando coragem, entre dois copos de carrascão e o fado arranhado por uma garganta esganiçada, arrastou um "E se nós..." para a dita cuja encantada.
Para azar dos azares, este foi o preciso momento em que a música se findou nos dedos dos velhos tocadores, sequiosos também eles pelo dito carrascão, e foi aí que começou a confusão...
Entre zás e catrapás, muitas foram as lambadas colhidas pelo nosso ás.
Do marido à fadista, passando pelo ferreiro e pela modista, todos lhe foram às trombas, todos o chutaram por trás.
Hoje anda mais calmo e com modos decentes, nem que seja pelo facto de ter de mastigar a patanisca sem o auxílio de dentes.
05 dezembro 2011
04 dezembro 2011
O espelho não mente
O escravo acordou e olhou-se ao espelho.
Parecia tudo normal, excepto aquele estranho alto na garganta. Era um monte roxo, pútrido e com um cheiro asqueroso que, se pudesse falar, repetiria certamente a palavra morte até à exaustão.
Deu dois passos atrás, bêbado por um sentimento de inexplicável terror.
Levou as mãos à garganta mas nada. Nem uma pequena borbulha.
Espremeu o pescoço, apertou-o e roçou-lhe os dedos de alto a baixo, mas simplesmente não havia o que quer que fosse para sentir.
Respirando fundo, finalmente com calma olhou de novo na superfície espelhada que estava à sua frente e, assombrosamente lá estava aquele frúnculo fantasma que só naquela reflexão tinha existência real.
Examinou o móvel, tentando encontrar algum problema no espelho, mas a verdade era o que era: apesar de, na realidade, ter o pescoço normal, ali, naquele reflexo, algo doentio crescia-lhe e minava-lhe a existência.
Desceu para a rua, assustado.
Não respondeu quando o Rui lhe disse que o jantar afinal era para a semana, ou sequer contemporizou quando a Inês lhe contou que o negócio do qual fazia parte se ia de facto realizar.
Soturno, limitava-se a ver aquele monstro que lhe crescia como uma segunda cabeça em formato de pústula em cada vidro, montra ou espelho de carro.
Já no jardim sentou-se, tentando respirar fundo, tentando perceber onde estava e o que fazia.
O ar puro batia-lhe nos pulmões com uma força à qual não estava acostumado.
Subitamente entrou em desassossego quando o telemóvel tocou.
Atendeu-o a medo, tentando parecer normal. Do outro lado falou-lhe a dona, a mulher que lhe detinha a alma e corpo, dizendo-lhe que o detestava, que sem ela ele nunca seria nada, que exigia que a acompanhasse imediatamente aos seus afazeres.
Atordoado concordou e correu imediatamente para o escritório dela.
Lá, a mulher colocou-lhe a habitual coleira com a qual o passeava para seu gáudio e vaidade.
Reprimido, ele olhou-se uma última vez ao espelho.
Lá, o seu reflexo sorriu-lhe de maneira doentia. A pústula continuava lá, só que a coleira, essa, não existia naquele mundo paralelo.
Gozado, o homem fechou os olhos e nunca mais ousou olhar-se a qualquer espelho, não por medo mas por vergonha.
02 dezembro 2011
Ela
Sozinha,
sem andar, sem pensar, sem ficar.
Caminha por este morro cinza, sem hora, sem cabeça nem pátria ou lugar.
Picadas usadas, cravejadas de tanto matar sem morrer.
É assim um dia qualquer, sozinha por força, não por querer.
Um dia vais. Um dia vens.
Um dia cais, outro tens e tens e tens. E tens que ter, porque perder a vontade é morrer.
E sozinha te tens, porque no fim, no âmago, se não te tiveres ninguém te terá. Oxalá.
sem andar, sem pensar, sem ficar.
Caminha por este morro cinza, sem hora, sem cabeça nem pátria ou lugar.
Picadas usadas, cravejadas de tanto matar sem morrer.
É assim um dia qualquer, sozinha por força, não por querer.
Um dia vais. Um dia vens.
Um dia cais, outro tens e tens e tens. E tens que ter, porque perder a vontade é morrer.
E sozinha te tens, porque no fim, no âmago, se não te tiveres ninguém te terá. Oxalá.
De gustação
Pobres dos bem-aventurados pois não sabem o que ingerem.
Calorias, ácidos, números e letras em perpétua suspensão digestiva de um dialecto marcado por uma forma física una e definida.
Um dia vais querer nadar num num oceano de sabor. Numa cópula sensível de papilas gustativas, que bailarão com o paladar de uma mera sardinha de conserva.
Até lá nada.
Nada de nada, pois o sabor não se pode definir, apenas esperar que nos atinja com a candura de uma primeira vez.
Calorias, ácidos, números e letras em perpétua suspensão digestiva de um dialecto marcado por uma forma física una e definida.
Um dia vais querer nadar num num oceano de sabor. Numa cópula sensível de papilas gustativas, que bailarão com o paladar de uma mera sardinha de conserva.
Até lá nada.
Nada de nada, pois o sabor não se pode definir, apenas esperar que nos atinja com a candura de uma primeira vez.
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